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Foto do escritorGuilherme Carboni

Direito de autor, acesso ao conhecimento e à informação e desenvolvimento sustentável (ODS) no âmbito de bibliotecas e arquivos públicos

Copyright, access to knowledge and information and Sustainable Development Goals (SDGs) within the scope of public libraries and archives




RESUMO: 

Objetivamos, em nosso artigo, examinar o direito de autor e o direito de acesso ao conhecimento e à informação à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas no âmbito de bibliotecas e arquivos públicos. 


Palavras-chave: Direitos autorais; acesso ao conhecimento e à informação; Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); Bibliotecas; Arquivos. 


ABSTRACT: 

In our article, we intend to examine copyrights and the right of access to knowledge and information in the light of the United Nations Sustainable Development Goals (SDGs) for public libraries and archives. 

Keywords: Copyrights; Access to knowledge and information; Sustainable Development Goals (SDGs); Libraries; Archives.



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1 Artigo baseado em parte da pesquisa realizada pelo autor em 2015 (e devidamente atualizada), no âmbito do Projeto 914BRZ4013 – Intersetorialidade, Descentralização e Acesso à Cultura no Brasil. Edital nº 04/2015, perfil DDI-03 da Unesco e do então Ministério da Cultura. 


2 Doutor e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós Doutor pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Foi pesquisador visitante em Sociologia do Direito na Universidade Estatal de Milão, Itália. Professor do FGVLaw. Advogado e Diretor Fundador do IESD – Instituto de Economias Sustentáveis e Direito. 




SUMÁRIO 

Introdução; 1. Bibliotecas; 1.1. Políticas Públicas, Evolução Histórica e Legislação; 1.2. Função das Bibliotecas Públicas no Século XXI; 2. Arquivos; 2.1. Evolução Histórica da Legislação; 2.2. Leinº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Leide Acesso à Informação); 3. Conflitos entre Direitos de Autor e Acesso ao Conhecimento e à Informação no âmbito de Bibliotecas e Arquivos Públicos; 4. Acesso ao Conhecimento e à Informação por meio de Bibliotecas e Arquivos Públicos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); Considerações Finais; Referências. 



INTRODUÇÃO 

Iniciaremos nosso artigo, discorrendo sobre aspectos de políticas públicas, evolução histórica e legislação com relação a bibliotecas, bem como a sua função no século XXI em face do sistema de direitos autorais. 


No item seguinte, abordaremos os arquivos, especialmente no que diz respeito à evolução histórica da legislação a eles aplicada, juntamente com a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), para verificarmos a situação do acesso a obras protegidas por direitos autorais.


Na sequência, trataremos dos conflitos entre o atual sistema de direitos autorais e o direito de acesso ao conhecimento e à informação no âmbito de bibliotecas e arquivos públicos.


Por fim, examinaremos de que forma o acesso ao conhecimento e à informação por meio de bibliotecas e arquivos públicos contribui para o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.



1 BIBLIOTECAS


1.1 Políticas Públicas, Evolução Histórica e Legislação

As bibliotecas públicas brasileiras, desde o período colonial, pouco contribuíram para a formação de leitores e para democratização do acesso à informação, que foram sempre definidos pelo poder aquisitivo da população (SUAIDEN, 2000). Porém, na sociedade da informação, a biblioteca pública passa a ter importância vital enquanto centro disseminador da informação, visando à diminuição das desigualdades de acesso entre pessoas com diferentes poderes aquisitivos, especialmente por meio da segmentação de seus serviços, de acordo com as necessidades informacionais de diferentes públicos (SUAIDEN, 2000).


A ideia de um sistema de informação mais abrangente e cooperativo já estava presente no relatório denominado O problema das bibliotecas brasileiras, publicado em 1943 por Rubens Borba de Moraes (que dirigia a biblioteca das Nações Unidas e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro) ao apontar para a necessidade de “um sistema de bibliotecas trabalhando em rede, uma cobrindo os vazios da outra, em cooperação” (MORAES, apud MIRANDA, 2004).


Segundo SUAIDEN (2000), os gastos do governo brasileiro na promoção do livro são mais ou menos recentes. Nas décadas de 1930 a 1950, o governo promovia a edição e distribuição gratuita aos alunos da rede de ensino público, o que permitia práticas desonestas na seleção dos livros a serem adotados. Por outro lado, desde o período colonial, o livro não foi considerado um instrumento valioso para disseminação da cultura (SUAIDEN, 2000).


Também são apontados como fatores que desestimularam a formação de leitores no país (a) os preços altos do livro em um país de baixo poder aquisitivo da maior parte da população; (b) os recursos humanos existentes nas poucas bibliotecas públicas terem sido voltados para o atendimento a estudantes ao invés do público em geral; e (c) os recursos governamentais terem sido aplicados, primordialmente, na aquisição de número “é um retrato da situação da leitura e da consequente exclusão de grande parte dos brasileiros quanto ao conhecimento e sua disseminação, deixando evidente a necessidade de políticas públicas na área do livro e da leitura”3.


Em 2003, a Lei n° 10.753/2003 instituiu a Política Nacional do Livro, que é o instrumento legal que autoriza o Poder Executivo a criar projetos de incentivo à leitura e acesso ao livro. A regulamentação dessa lei permitirá a criação de instrumentos que facilitem a execução do disposto no artigo 13 da referida lei, que estabelece o seguinte (GOVERNO FEDERAL, 2014): 

Art. 13. Cabe ao Poder Executivo criar e executar projetos de acesso ao livro e incentivo à leitura, ampliar os já existentes e implementar, isoladamente ou em parcerias públicas ou privadas, as seguintes ações em âmbito nacional:


I - criar parcerias, públicas ou privadas, para o desenvolvimento de programas de incentivo à leitura, com a participação de entidades públicas e privadas; 


II - estimular a criação e execução de projetos voltados para o estímulo e a consolidação do hábito de leitura, mediante: 


a) revisão e ampliação do processo de alfabetização e leitura de textos de literatura nas escolas; 


b) introdução da hora de leitura diária nas escolas; 


c) exigência pelos sistemas de ensino, para efeito de autorização de escolas, de acervo mínimo de livros para as bibliotecas escolares; 


III - instituir programas, em bases regulares, para a exportação e venda de livros brasileiros em feiras e eventos internacionais; 


IV - estabelecer tarifa postal preferencial, reduzida, para o livro brasileiro; 


V - criar cursos de capacitação do trabalho editorial, gráfico e livreiro em todo o território nacional.



Para garantir o acesso dos brasileiros ao livro e à leitura, foi criado, em 2004, o “Programa Livro Aberto”, que é uma parceria entre o então Ministério da Cultura, Ministério da Educação, sob coordenação do SNBP, da Fundação Biblioteca Nacional. Esse programa teve por objetivo implantar bibliotecas públicas em todas as cidades do Brasil, destacando-se, ainda, por ações de modernização de bibliotecas, implantação de Pontos de Leitura4, bolsas para escritores e prêmios literários, realizados pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e pela Coordenadoria Geral de Livro e Leitura (CGLL). O projeto visava, ainda, instalar bibliotecas públicas em todos os municípios que ainda não as possuíam, zerando o número de cidades sem bibliotecas no Brasil. O Programa também previa a aplicação de recursos federais para a instalação e ampliação do acervo público de livros, estabelecendo parceria com as prefeituras, responsáveis por ceder o espaço e manter as bibliotecas5. 


Em 2011, foi instituído no Brasil, por meio do Decreto nº 7.559/2001, o chamado Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), que consiste em uma “estratégia permanente de planejamento, apoio, articulação e referência para a execução de ações voltadas para o fomento da leitura no País” (artigo 1º). De acordo com o Caderno do PNLL (GOVERNO FEDERAL, 2014), as diretrizes para uma política pública voltada à leitura e ao livro no Brasil (e, em particular, à biblioteca e à formação de mediadores), apresentadas neste Plano, levam em conta o papel de destaque que essas instâncias assumem no desenvolvimento social e da cidadania e nas transformações necessárias da sociedade para a construção de um projeto de nação com uma organização social mais justa. Elas têm por base a necessidade de formar uma sociedade leitora como condição essencial e decisiva para promover a inclusão social de milhões de brasileiros no que diz respeito a bens, serviços e cultura, garantindo-lhes uma vida digna e a estruturação de um país economicamente viável. 


O Decreto nº 7.559/2011 (artigo 1, § 1º) estabelece como objetivos do PNLL “(I) a democratização do acesso ao livro; (II) a formação de mediadores para o incentivo à leitura; (III) a valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico; e (IV) o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional”. 

Os debates que antecederam a elaboração do PNLL foram coordenados pelo então Ministério da Cultura e pelo Ministério da Educação e contaram com a participação de representantes da cadeia produtiva do livro (editores, livreiros, distribuidores, gráficas, fabricantes de papel, escritores, administradores, gestores públicos e outros profissionais do livro), bem como educadores, bibliotecários, universidades, especialistas em livro e leitura, organizações da sociedade, empresas públicas e privadas, governos estaduais, prefeituras e interessados em geral (GOVERNO FEDERAL, 2014). 


Também contribuíram para a elaboração do PNLL, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), o Fórum da Câmara Setorial do Livro, Leitura e Literatura (instituída por Decreto Presidencial, em 2005, e da qual decorreu o atual Colegiado Setorial de Livro, Leitura e Literatura), o Projeto Fome de Livro (por iniciativa do MEC/Biblioteca Nacional), o Programa Nacional do Livro no Ensino Médio (PNLEM), o Programa de Formação do Aluno e do Professor Leitor e o Vivaleitura – Ano Ibero-americano da Leitura (2005), que é um programa desenvolvido pelo então Ministério da Cultura, pelo Ministério da Educação, organismos internacionais e entidades da sociedade. Há que se destacar, especialmente, a contribuição do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), que, com a experiência acumulada ao longo de mais de duas décadas na realização de projetos de fomento à leitura por todo o país, com a promoção de oficinas, cursos, palestras e eventos artístico-culturais das mais diferentes naturezas, pode fornecer subsídios para o debate em questão (GOVERNO FEDERAL, 2014).


Apesar das dificuldades de acesso a livros em geral, mesmo em escolas e bibliotecas, e do baixo poder aquisitivo da maioria da população, propiciando alternativas escassas para a concretização da leitura, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta na MUNIC (Pesquisa de Informações Básicas Municipais), de 2013, que “a biblioteca é um dos equipamentos culturais mais importantes do Brasil, presente em 97% dos municípios brasileiros” (GOVERNO FEDERAL, 2014). Nessa pesquisa, são consideradas bibliotecas, todos os espaços de leitura com acesso ao público em geral, podendo ou não ser geridas pela administração pública (GOVERNO FEDERAL, 2014). 


De acordo com o Caderno do PNLL (GOVERNO FEDERAL, 2014), o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), órgão subordinado à Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), iniciou em 2013 o Projeto Mais Bibliotecas Públicas, com o intuito de apoiar a instalação e qualificação das bibliotecas públicas no País, e zerar o número de municípios que não possuem o referido equipamento. Segundo os dados do SNBP, de 2014, o Brasil possui 6.060 bibliotecas públicas, em 5.453 municípios; sendo 512 na Região Norte, 1845 na Região Nordeste, 499 no Centro-Oeste, 1932 no Sudeste e 1272 na Região Sul.


É importante ressaltar que a UNESCO já comprovou que não se pode considerar o livro como objeto cultural isolado. O resultado de uma pesquisa por ela realizada em 2004 – denominada Juventude, juventudes: o que une e o que separa – demonstrou que a influência do entorno cultural é bastante relevante para o desenvolvimento do gosto pela leitura (GOVERNO FEDERAL, 2014). A UNESCO identifica três fatores qualitativos e dois quantitativos como necessários para a existência expressiva de leitores em um país (GOVERNO FEDERAL, 2014):


Os fatores qualitativos são: 

a) o livro deve ocupar destaque no imaginário nacional, sendo dotado de forte poder simbólico e valorizado por amplas faixas da população; 


b) devem existir famílias leitoras, cujos integrantes se interessem vivamente pelos livros e compartilhem práticas de leitura, de modo que as velhas e novas gerações se influenciem mutuamente e construam representações afetivas em torno da leitura; 


c) deve haver escolas que saibam formar leitores, valendo-se de mediadores bem formados (professores, bibliotecários, mediadores de leitura) e de múltiplas estratégias e recursos para alcançar essa finalidade. 


Os fatores quantitativos são:

d) deve ser garantido o acesso ao livro, com a disponibilidade de um número suficiente de bibliotecas e livrarias, entre outros aspectos; 


e) o preço do livro deve ser acessível a grandes contingentes de potenciais leitores.


FREITAS e SILVA (2014) informam que

de acordo com o primeiro Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais, realizado no ano de 2010, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido do Ministério da Cultura (MinC), em 2009, o país possuía 4.763 bibliotecas públicas em 4.413 municípios. Foram pesquisados todos os 5.565 municípios brasileiros, o que significa que 1.152 cidades brasileiras não dispõem de nenhuma biblioteca. Segundo a pesquisa, a região Sudeste é a que possui mais municípios com bibliotecas abertas (92%), seguida do Sul (89%), Centro-Oeste (81%), Norte (66%) e Nordeste (64%).


Segundo os autores (2014), esse censo nacional “teve por objetivo subsidiar o aperfeiçoamento de políticas públicas em todas as esferas de governo – federal, estadual e municipal – voltadas à melhoria e valorização das bibliotecas públicas brasileiras”. A pesquisa também mostra que, dentre as bibliotecas que estão em funcionamento, apenas 45% têm computadores com acesso à internet, sendo que, uma boa parte dessas bibliotecas não disponibilizam o serviço para os usuários (FREITAS e SILVA, 2014). Além disso, 88% dos estabelecimentos não têm qualquer tipo de atividade de extensão, como oficinas e rodas de leitura. Ainda segundo a pesquisa, 83% do acervo dessas instituições é constituído por doações. Os usuários frequentam a biblioteca, em média, apenas 1,9 vezes por semana e utilizam o local preferencialmente para pesquisas escolares (65%), seguido de pesquisas em geral (26%) e para o lazer (8%). Os assuntos mais pesquisados nas bibliotecas são geografia e história (82%); literatura (78%), e obras gerais – enciclopédias e dicionários (73%) (FREITAS e SILVA, 2014).

Com relação à inclusão digital, o Brasil avançou pouco. Apesar de 45% das bibliotecas públicas terem computadores com acesso à internet, apenas 29% disponibilizam o serviço para os usuários. Por essa razão, concordamos com a seguinte opinião de FREITAS e SILVA (2014):


a biblioteca pública brasileira ainda precisa se adaptar, buscando auxiliar a comunidade em enfrentar os desafios impostos pelos tempos modernos, garantindo o acesso à informação digital e proporcionando que o usuário usufrua plenamente das facilidades proporcionadas pela Internet. 

Para sanar essa deficiência, governos anteriores incentivaram a instalação de Telecentros Comunitários6 nas dependências das bibliotecas, que foi um projeto mantido pelo Ministério das Comunicações e que consiste no fornecimento e manutenção de computadores conectados à Internet em banda larga e instalados em espaços públicos, onde são realizadas atividades, por meio do uso das tecnologias da informação e comunicação, com o objetivo de promover a inclusão digital e social das comunidades atendidas (GOVERNO FEDERAL, 2010).


Os Telecentros foram instalados em diversas bibliotecas públicas do país e, nelas, encontraram um ambiente favorável para o desenvolvimento de suas atividades. Além disso, a comunidade local acaba sendo beneficiada com o acesso gratuito à Internet e com a participação em cursos de capacitação que ensinam desde como lidar com os recursos básicos da informática até a produção de conteúdo no ambiente online (FREITAS e SILVA, 2014).


No entanto, é importante ressaltar que não basta montar um laboratório com vários computadores e apenas fornecer a tecnologia, sem ensinar as pessoas a utilizá-la. Além dos computadores e do acesso à internet, a biblioteca pública também deve oferecer coleções digitais e serviços eletrônicos, de forma a permitir que um maior número de usuários tenha acesso à informação de forma ampla e democrática (FREITAS e SILVA, 2014).


Após a realização dessa pesquisa, a primeira ação do então Ministério da Cultura foi a implantação (ou reinstalação) de bibliotecas públicas em 420 (quatrocentos e vinte) municípios brasileiros.


Para tentar reverter o cenário das bibliotecas públicas brasileiras, o então Ministério da Cultura, por meio do Programa Mais Cultura7 e do Programa Livro Aberto, buscou fomentar a construção, implantação e modernização de bibliotecas públicas.


Entre as linhas de ação desse programa, estava o “Biblioteca Mais Cultura”, que pretendia transformar as bibliotecas em centros culturais dinâmicos e interativos, de forma a articular adequadamente a dimensão escrita da cultura com outras dimensões tradicionais, populares e com as diversidades regionais e as diversas linguagens contemporâneas (FREITAS e SILVA, 2014). 

Por meio de recursos do Programa Mais Cultura e da Fundação Biblioteca Nacional, foram distribuídos kits com acervo de 2.000 livros, além de mobiliário e equipamentos.


Nos anos de 2009 e 2010, o governo federal apresentou alguns editais, visando investir em bibliotecas públicas. O Edital Mais Cultura de Modernização de Bibliotecas Públicas e o Edital Mais Cultura de Apoio às Bibliotecas Públicas destinaram, juntos, um total de R$ 37,4 milhões para o setor. De 2003 a 2010, foram investidos R$ 219,2 milhões em modernização, construção e implantação de bibliotecas (FREITAS e SILVA, 2014).


Em julho de 2018, o então presidente Michel Temer sancionou a lei que instituiu a nova política nacional de leitura a escrita (Lei 13.696/2018, chamada de “Lei Castilho”).


Por meio do Decreto 9.930/2019, o atual presidente Jair Bolsonaro alterou o PNLL, para extinguir o seu conselho consultivo, composto por membros do colegiado setorial do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) na área de literatura, livro e leitura, todos representantes da sociedade civil que não recebiam remuneração para esse trabalho.

De acordo com o Plano Nacional do Livro e Leitura (GOVERNO FEDERAL, 2014), o grande desafio do governo federal no século XXI é transformar o Brasil em um país de leitores. Entretanto, são várias as dificuldades a serem vencidas. Uma delas diz respeito à criação de políticas públicas que visem assegurar e democratizar o acesso à leitura e ao livro para toda a sociedade. É nesse âmbito que a questão dos direitos autorais aparece em cena. Para que o acesso à leitura e ao livro seja assegurado para a sociedade, especialmente por meio de redes e da tecnologia digital, que é a tendência para o futuro, deve haver um equilíbrio entre a proteção autoral e as novas formas de acesso ao conhecimento. 


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3 A informação esteve disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/ asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/programa-livro-aberto-149141/11043/maximized, acesso em: 2 jun. 2016.


4 Pontos de Leitura são “iniciativas e projetos de incentivo à leitura em diversos locais, como bibliotecas comunitárias, Pontos de Cultura, hospitais, sindicatos, presídios, associações comunitárias, entre outros”, conforme esteve disponível no site do então Ministério da Cultura no endereço: http://www.cultura.gov.br/inscricoes-abertas/-/asset_publisher/kQxYTMokF1Jk/content/i-concurso-pontos-de-leitura-projetos-de-estimulo-a-leitura/10883, acesso em: 29 maio 2016. 


5 A informação esteve disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/ asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/programa-livro-aberto-149141/11043/maximized, acesso em: 2 jun. 2016.


6 Telecentros Comunitários são espaços públicos providos de computadores conectados à Internet em banda larga, onde são realizadas atividades, por meio do uso das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), com o objetivo de promover a inclusão digital e social das comunidades atendidas. (...). O objetivo principal dos Telecentros é promover o desenvolvimento social e econômico das comunidades atendidas, reduzindo a exclusão social e criando oportunidades aos cidadãos (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, s/d). 


7 Segundo o site do então MinC, o Programa Mais Cultura foi lançado em outubro de 2007 e representava “o reconhecimento da cultura como necessidade básica, direito de todos os brasileiros, tanto quanto a alimentação, a saúde, a moradia, a educação e o voto”. O site do então MinC dizia ainda o seguinte: “Com a criação do Programa, o Governo Federal incorpora a cultura como vetor importante para o desenvolvimento do país, incluindo-a na agenda social – com status de política estratégica de estado para atuar na redução da pobreza e a desigualdade social. Essa é, portanto, uma das mais importantes conquistas do Ministério da Cultura e de todos os brasileiros – um programa pautado na integração e inclusão de todos segmentos sociais, na valorização da diversidade e do diálogo com os múltiplos contextos da sociedade brasileira. Na parceria com ministérios, bancos públicos, organismos internacionais e instituições da sociedade civil, além de assinar acordos com governos estaduais e municipais para a implementação das ações do Mais Cultura. O Programa Mais Cultura se estrutura em três dimensões articuladas entre si: Cultura e Cidadania, Cultura e Cidades e Cultura e Economia. Todas as ações do Mais Cultura buscam a ampla participação da sociedade civil e dos poderes públicos”. Esteve disponível em: perspectiva de cooperação, articulação e integração, o Ministério da Cultura estabelece , acesso em: 18 jun. 2016.http://www.cultura.gov.br/mais-cultura




1.2 Função das Bibliotecas Públicas no Século XXI 

A biblioteca do século XXI não será completamente impressa ou digital. Na verdade, ela deverá reunir em seu acervo obras em ambos os suportes – impresso e digital (FREITAS e SILVA, 2014).


No que diz respeito ao atual papel das bibliotecas, o PNLL diz que (GOVERNO FEDERAL, 2014): 

a biblioteca assume a dimensão de um dinâmico pólo difusor de informação e cultura, centro de educação continuada, núcleo de lazer e entretenimento, estimulando a criação e a fruição dos mais diversificados bens artístico-culturais.


Para isso, deve estar sintonizada com as tecnologias de informação e comunicação, suportes e linguagens, promovendo a interação máxima entre os livros e esse universo que seduz as atuais gerações.


Segundo MILANESI (2013), as bibliotecas e bibliotecários não apreenderam, de início, os impactos que o surgimento do computador viria a ocasionar no âmbito das bibliotecas, pois 

os cursos de biblioteconomia olharam para o computador como, talvez, “um exercício pouco prático de catalogação”, sem uma percepção clara de seus futuros desdobramentos. (...). Entre um computador que controlava o acervo e o catálogo, não se viam grandes vantagens no cotidiano das bibliotecas.


Normalmente, são feitas comparações entre a biblioteca e a Internet, para que se possa averiguar qual desses meios é mais poderoso e mais barato para o oferecimento da informação necessária (MILANESI, 2013). Diz o autor (2013) que 

um conjunto de sites é como uma imensa biblioteca para ser explorada, em parte sem dispêndio, por todos que dispõem de computador ou pelos que utilizam terminais públicos. As chamadas ferramentas de busca são similares em sua função aos antigos catálogos.


Entretanto, como na Internet não há a participação de um especialista para fazer uma seleção prévia a respeito dos termos a serem buscados sobre um determinado assunto, levanta-se muito “lixo informacional”, com a consequente perda de tempo e dinheiro (MILANESI, 2013). Considerando que a intermediação entre as informações e os pesquisadores é uma questão essencial, o caminho que se afigura óbvio é o da especialização, não apenas do acervo e do público, mas também do profissional que faz a intermediação entre um e outro (MILANESI, 2013).


Isso faz com que o próprio espaço das bibliotecas se transforme. Além da leitura de livros, revistas, jornais, gibis, a biblioteca deverá, também, oferecer recursos multimídia, com acesso à Internet, o que não leva, necessariamente, à diminuição do número de leitores de livros e material impresso (MILANESI, 2013). Nesse aspecto, somos da opinião de que a promoção de uma cultura digital pela biblioteca pública brasileira deve promover a inclusão das camadas excluídas (CUNHA et al, s/d).


Como a organização do acervo não é mais a razão de ser da biblioteca, surgiram serviços de informação moldados a grupos específicos. A gradual digitalização do acervo faz com que, no mundo virtual, não haja mais o livro, mas sim, o seu conteúdo armazenado em máquinas, que é utilizado ao infinito, reforçando, assim, a necessidade de alteração do próprio conceito de biblioteca (MILANESI, 2013).


Concordamos com MILANESI (2013), no sentido de que a biblioteca deve atingir o ser humano comum, ou seja, aquele que habita as grandes cidades, a periferia, as cidadezinhas, vilarejos e o campo. Entretanto, quando esse público é indagado sobre o que quer, mudam-se as regras, pois, nas palavras de MILANESI (2013): “o que se quer nem sempre é o que se precisa, prioritariamente”. Dessa forma, haveria duas possiblidades de posicionamento: o simples atendimento do desejo do público e a criação do desejo necessário, configurando, assim, dois tipos de serviços de informação pública: o passivo (que procura atender à demanda existente) e o ativo (que se aventura pela criação de demanda, por meio de uma intensa interação com a coletividade) (MILANESI, 2013).


Para a criação de demanda – numa perspectiva de prestação ativa de serviços de informação pública –, o espaço físico das bibliotecas é de importância fundamental, pois permite, não apenas arquivar documentos, mas, principalmente, aproximar as pessoas que, ao estarem ali para conhecer determinados conteúdos, podem participar de ações coletivas (MILANESI, 2013). Tais espaços podem ser identificados como bibliotecas municipais, mas também como centros de cultura ou mesmo museus. A tendência é juntar num mesmo local não só os acervos, mas também auditórios para apresentação de peças de teatro, recitais, bem como para exibição de filmes, exposições, palestras. Pode-se, ainda, juntar esses espaços com outros para cursos, grupos de estudos, oficinas de produção artística, dentre outras atividades. Dessa forma, o local da informação pública, além dos acervos, passa a comportar outras possibilidades, especialmente com relação à discussão do conhecimento, bem como à criação de novos (MILANESI, 2013).


No que diz respeito aos procedimentos técnicos para a organização do acervo – que foi a razão da Biblioteconomia até os anos 1980 –, houve uma redução do esforço organizatório local, uma vez que os catálogos, inclusive de assunto, tendem a ser centralizados em um único endereço no país ou no planeta, por meio das redes. Abrem-se, assim, perspectivas de atividades mais ativas e interativas com a coletividade, por parte das bibliotecas (MILANESI, 2013). 

Tal entendimento está em consonância com o manifesto da UNESCO de 1994, que, ao se referir às missões-chave da biblioteca pública, destaca o papel de “facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informa ção e a informática, para o que recomenda, em seu funcionamento e gestão que se formule (...) uma política clara, definindo objetivos, prioridades e serviços, relacionados com as necessidades da comunidade local”.


A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) aprovou, em 2002, o Manifesto da IFLA sobre a Internet8, em que declara o direito de o cidadão ter acesso à informação, o que representa a base da democracia e a essência do serviço bibliotecário, bem como o livre acesso à Internet, oferecido pelas bibliotecas e demais serviços de informação, por contribuir para que indivíduos e comunidades atinjam a liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento. Sugere, ainda, que barreiras à informação devem ser removidas, especialmente aquelas que favoreçam a desigualdade e a pobreza.


De acordo com o PNLL, no contexto da sociedade da informação, é fundamental que a leitura “seja tratada no diálogo com as diversas tecnologias de gravação, entre as quais o livro se encontra” (GOVERNO FEDERAL, 2014). Nessa linha, o PNLL claramente propõe um diálogo fecundo com novas formas de licenciamento que, ao mesmo tempo, garantam os direitos autorais e os direitos de acesso (GOVERNO FEDERAL, 2014).


Para tanto, entendemos que é preciso que se discuta, no âmbito internacional, a elaboração de um tratado especificamente para regular a questão da disseminação de informação por bibliotecas e arquivos e que estabeleça limitações de direitos autorais para suas atividades.




2 ARQUIVOS 


2.1 Evolução Histórica da Legislação 

No Brasil, a Lei 8.159/91 dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados. O artigo 2º da referida lei define arquivos, genericamente falando, como “os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos”. 

Segundo o artigo 1º da citada lei, “é dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”.


A definição de “arquivos públicos” encontra-se no artigo 7º da Lei 8.159/91, nos seguintes termos: “os arquivos públicos são os conjuntos de documentos produzidos e recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias”.


Ao Arquivo Nacional, compete “a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, e acompanhar e implementar a política nacional de arquivos” (artigo 18 da Lei 8.159/91). Especificamente com relação aos arquivos do Poder Legislativo, competem “a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Legislativo Federal no exercício das suas funções, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda” (artigo 19). E, finalmente, aos arquivos do Poder Judiciário Federal, competem “a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Judiciário Federal no exercício de suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secretarias, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda” (artigo 20).


Do ponto de vista histórico, podemos mencionar o Regulamento nº 2, de 2 de janeiro de 1938, como o marco inicial da regulamentação de arquivos no Brasil, ao criar o Arquivo Público do Império, conforme previsto na Constituição de 1824, que tinha por finalidade guardar os documentos públicos. O Arquivo Público do Império estava organizado em três seções: (a) administrativa: responsável pelos documentos dos poderes Executivo e Moderador; (b) legislativa: incumbida da guarda dos documentos produzidos pelo Poder Legislativo; e (c) histórica. 

Em 1876, o Arquivo Público do Império foi reorganizado, com o compromisso de o parlamento enviar os originais dos atos legislativos e administrativos para a instituição, que passou a ter, também, competência para adquirir e conservar os documentos concernentes ao direito público, à legislação, à história e à geografia do Brasil. O Arquivo Público do Império passou a denominar-se Arquivo Público Nacional em 1893 e, em 1911, sua denominação é alterada para Arquivo Nacional.


Em 1960, o Decreto nº 48.936 criou um grupo de trabalho para estudar os problemas arquivísticos brasileiros e a transferência do Arquivo Nacional para Brasília.


O Decreto nº 82.308, de 25 de setembro de 1978, instituiu o Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, com a finalidade de assegurar a preservação de documentos do Poder Público, tendo como órgão central o Arquivo Nacional, que, em 1983, veio a ser transformado em órgão autônomo da administração direta do Ministério da Justiça.


O artigo 26 da Lei nº 8.159/91 criou o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, que é um órgão vinculado ao Arquivo Nacional e que tem por função definir a política nacional de arquivos, enquanto órgão central do SINAR, que veio a ser “recriado” pela referida lei. De acordo com o artigo 1º do Decreto nº 4.073, de 3 de janeiro de 2002, o CONARQ tem por finalidade “definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo”.


Integram o SINAR, (a) o Arquivo Nacional; (b) os arquivos do Poder Executivo Federal; (c) os arquivos do Poder Legislativo Federal; (d) os arquivos do Poder Judiciário Federal; (e) os arquivos estaduais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; e (f) os arquivos do Distrito Federal dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; os arquivos municipais dos Poderes Executivo e Legislativo9.


Os arquivos referidos acima, exceto o Arquivo Nacional, quando organizados sistemicamente, passam a integrar o SINAR por intermédio de seus órgãos centrais.


Importante ressaltar que as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, detentoras de arquivos, podem integrar o SINAR mediante acordo ou ajuste com o órgão central.


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8 Disponível em: http://www.ifla.org/files/assets/faife/publications/policy-documents/ internet-manifesto-pt.pdf, acesso em: 16 jun. 2016.




2.2 Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação) 

Essa lei veio regulamentar o artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, que estabelece o seguinte:

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. 


Além disso, o direito de acesso à informação pública está previsto em diversas convenções e tratados internacionais assinados pelo Brasil, tais como, a Declaração Universal dos Direitos Humanos10, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção11, a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão12 e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos13. 

Ao regulamentar o direito de acesso à informação pública, o Brasil passa a integrar um amplo grupo de nações que reconhece que a informação sob a guarda do Estado é um bem público, fato que, conforme demonstra a experiência internacional, fortalece o sistema democrático, resultando em ganhos para todos (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2011).


Exceto no que diz respeito a informações pessoais e algumas exceções previstas na Lei de Acesso à Informação, a informação produzida pelo setor público deve estar disponível para a sociedade. Daí a necessidade de regulamentação, para que se estabeleça quais informações devem ser reservadas e por quanto tempo (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2011). 


Dessa forma, podemos dizer que a Lei de Acesso à Informação representa uma mudança de paradigma em matéria de transparência pública, ao dispor que o acesso é a regra e o sigilo, a exceção. O acesso a dados públicos (documentos, arquivos, estatísticas) constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2011). Evidentemente, o cidadão bem informado tem melhores condições de conhecer e acessar outros direitos essenciais, como saúde, educação e benefícios sociais. É, principalmente, por essas razões, que o acesso à informação pública vem sendo, cada vez mais, reconhecido como um direito pelos principais países, a ponto de hoje, haver 90 países que possuem leis específicas que o regulamentam (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2011).


Em suma, na cultura de acesso, o fluxo de informações favorece a tomada de decisões, a boa gestão de políticas públicas e a inclusão do cidadão. Algumas pesquisas apontam que a confiança da população no serviço público aumentou em países que adotaram leis de acesso à informação (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2011).


No que diz respeito às exceções estabelecidas pela Lei de Acesso à Informação, elas se aplicam às informações classificadas pelas autoridades como sigilosas14.


Deve-se, ainda, respeitar, no tratamento das informações, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como as liberdades e garantias individuais, nos termos do que estabelece o artigo 31 da Lei de Acesso à Informação, abaixo transcrito: 

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.


Questão importante diz respeito ao acesso a informação pública relativa a obra protegida por direitos autorais. Pelo fato de os direitos autorais serem considerados garantias individuais – uma vez que estão consagrados nos artigos 5º, incisos XVII e XXVII da Constituição Federal15 – o acesso a obra protegida, apesar de não ser impedido pela lei, não torna seu uso permitido, se este estiver em desacordo com a Lei 9.610/98. O descumprimento dessa regra torna o usuário da obra, responsável pelo seu uso indevido, conforme determina o § 2º do artigo 31 da Lei de Acesso à Informação, in verbis: “§ 2º. Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido“. 


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10 O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece o seguinte: 

Artigo 19 

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. 


11 Os artigos 10 e 13 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção dispõem: 

Artigo 10 

Informação pública 

Tendo em conta a necessidade de combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará medidas que sejam necessárias para aumentar a transparência em sua administração pública, inclusive no relativo a sua 

poderão incluir, entre outras coisas: a) A instauração de procedimentos ou regulamentações que permitam ao público em geral obter, quando proceder, informação sobre a organização, o funcionamento e os processos de adoção de decisões de sua administração pública, com o devido respeito à proteção da intimidade e dos documentos pessoais, sobre as decisões e atos jurídicos que incumbam ao público; b) A simplificação dos procedimentos administrativos, quando proceder, a fim de facilitar o acesso do público às autoridades encarregadas da adoção de decisões; e c) A publicação de informação, o que poderá incluir informes periódicos sobre os riscos de corrupção na administração pública. (Destacamos) organização, funcionamento e processos de adoção de decisões, quando proceder. Essas medidas 


Artigo 13 

Participação da sociedade 

1. Cada Estado Parte adotará medidas adequadas, no limite de suas possibilidades e de conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, para fomentar a participação ativa de pessoas e grupos que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações com base na comunidade, na prevenção e na luta contra a corrupção, e para sensibilizar a opinião pública a respeito à existência, às causas e à gravidade da corrupção, assim como a ameaça que esta representa. Essa participação deveria esforçar-se com medidas como as seguintes: a) Aumentar a transparência e promover a contribuição da cidadania aos processos de adoção de decisões; b) Garantir o acesso eficaz do público à informação; c) Realizar atividade de informação pública para fomentar a intransigência à corrupção, assim como programas de educação pública, incluídos programas escolares e universitários; d) Respeitar, promover e proteger a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informação relativa à corrupção. (Destacamos). 


12 O item 4 da Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão estabelece o seguinte: 

4. O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só admite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas. 


13 O artigo 19, item 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos dispõe que: 

(...) 

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.


14 O artigo 6º da Lei de Acesso à Informação diz que: 

Art. 6º. Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: 

(...) 

III - proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso.


15 XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; 

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: 

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; 

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;



3 CONFLITOS ENTRE DIREITOS DE AUTOR E ACESSO AO CONHECIMENTO E À INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DE BIBLIOTECAS E ARQUIVOS PÚBLICOS 


O direito autoral é uma forma de enclosure ao pleno acesso ao conhecimento e à informação por estabelecer um monopólio ao autor na disponibilização de sua obra. Com o início da exploração comercial da internet em 1994 e o desenvolvimento da tecnologia digital, o direito de autor sofreu forte impacto, uma vez que a reprodução de obras protegidas passou a ser facilitada e a ocorrer em larga escala.


A internet e a tecnologia digital permitem novos usos de obras protegidas, facilitando o acesso ao conhecimento e à informação e potencializando formas criativas e processos autorais inovadores. Tal fenômeno tem por consequência a geração de conflitos entre o direito de autor e o direito da sociedade de acessar o conhecimento e a informação sem muitos entraves.


O Brasil é um dos protagonistas nas negociações internacionais em matéria de direito de acesso ao conhecimento e à informação no âmbito dos países em desenvolvimento. Mediante comunicação formal, datada de 26 de agosto de 2004, o Secretariado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) recebeu uma proposta formal do Brasil e da Argentina para o estabelecimento de uma agenda sobre desenvolvimento – tema que constitui um dos maiores desafios na comunidade internacional – no âmbito daquela Organização (CARBONI, 2006).


De acordo com a referida proposta, a inovação tecnológica, a ciência e a atividade criativa em geral são altamente reconhecidas como fontes de progresso material e bem-estar. No entanto, apesar dos importantes avanços científicos e tecnológicos e das promessas dos séculos XX e XXI em várias áreas, um significante distanciamento no conhecimento e a divisão digital continuam a separar os países ricos dos pobres16.


Nesse contexto, o impacto da propriedade intelectual tem sido amplamente debatido nas duas últimas décadas. De acordo com a referida proposta, os direitos de propriedade intelectual devem ser entendidos como instrumentos de promoção da inovação tecnológica, bem como de transferência e disseminação de tecnologia, e não como fim em si mesmos. Por sua vez, a harmonização dos direitos de propriedade intelec tual nos diversos países também não pode levar a altos padrões de proteção independentemente de seus níveis de desenvolvimento. O papel da propriedade intelectual e seu impacto no desenvolvimento devem ser cuidadosamente avaliados no caso concreto. A proteção dos direitos de propriedade intelectual é um instrumento político que pode, dependendo do caso, produzir benefícios ou custos, variando de acordo com o nível de desenvolvimento do país. Portanto, a ação política precisa assegurar, em todos os países, que os custos não superem os benefícios17.


A proposta de agenda sobre desenvolvimento reconhece, ainda, que o acesso à informação e ao conhecimento são elementos essenciais de fomento da inovação e da criatividade na economia da informação. Por essa razão, a inclusão de novas formas de propriedade intelectual no ambiente digital poderia obstruir o livre fluxo de informação e apressar esforços para a organização de novos modelos visando a promoção da inovação e da criatividade, por meio de iniciativas como a do creative commons18 (que permite ao autor dispor da sua obra como bem entender, inclusive, abrindo mão de alguns de seus direitos autorais). Do mesmo modo, as atuais discussões sobre o uso de proteção tecnológica no ambiente digital também são de grande preocupação19. Nessa linha, a OMPI deveria se comprometer com atividades que visassem explorar projetos colaborativos abertos para o desenvolvimento de bens públicos, como, por exemplo, o projeto do genoma humano e o projeto de software com código-fonte aberto20.


É nesse contexto que deve ser entendido o impacto das normas de direito de autor nas bibliotecas e arquivos públicos, os quais, na sociedade da informação, passam a ter importância fundamental enquanto centros disseminadores de informação, visando à diminuição das desigualdades de acesso entre pessoas com diferentes poderes aquisitivos, especialmente por meio da segmentação de seus serviços, de acordo com as necessidades informacionais de diferentes públicos (SUAIDEN, 2000).


Conforme menciona PEREIRA (2013), há diversas iniciativas mundiais que visam justamente digitalizar e disponibilizar o patrimônio cultural e científico21, tais como: a World Digital Library22, que interliga acervos digitais de dezenas de bibliotecas mundiais com o apoio da UNESCO e a colaboração da Biblioteca do Congresso dos EUA e de outras instituições científicas e culturais23; o projeto Europeana24, na Europa, financiado sobretudo pela Comissão Europeia, para acesso a milhões de livros, pinturas, filmes, objetos de museu e registros de arquivo que foram digitalizados em toda a Europa; a Gallica digital25, da Biblioteca Nacional da França; a Brasiliana26 no Brasil; e em Portugal, a Biblioteca Nacional digital27 e as bibliotecas digitais da Universidade de Coimbra28 entre outras.


Paralelamente, foram desenvolvidos outros projetos de digitalização e disponibilização de obras, como o Projeto Gutenberg29, que se apresenta como a primeira, única e maior coleção de livros eletrônicos, fundada por Michael Hart (conhecido como quem, em 1971, inventou os e-books) e que pretende estimular a criação e disseminação de e-books com esse projeto (PEREIRA, 2013). Também merecem destaque o projeto Internet Archive (que veio a estabelecer uma parceria com a Biblioteca Alexandrina digital30 e que tem um perfil mais comercial) e o Google Books31 (anteriormente conhecido como Google Print e Google Book Search) (PEREIRA, 2013).


Todas essas iniciativas tornam possível o acesso sem precedentes a obras literárias e científicas, além de promoverem ampla democratização do conhecimento e da cultura (PEREIRA, 2013).


A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) vem, desde 2009, liderando uma campanha junto à OMPI, para a elaboração de um tratado internacional que estabeleça exceções e limitações de direitos autorais para bibliotecas e arquivos. Essa iniciativa visa atender, principalmente, as bibliotecas e arquivos dos países em desenvolvimento, garantindo o acesso ao conhecimento registrado em diferentes formatos e suportes e promovendo um equilíbrio no sistema de propriedade intelectual.


Essa proposta de tratado (denominada Treaty Proposal on Limitations and Exceptions for Libraries and Archives), realizada pela IFLA juntamente com o International Council on Archives (ICA) e com a Electronic Information for Libraries (EIFL), com data de dezembro de 2013, visa guiar os membros da OMPI na atualização das exceções e limitações de direitos autorais para bibliotecas em todos os países do mundo. As exceções e limitações estabelecidas por esta proposta de tratado estão baseadas em uma relação de princípios que foram desenvolvidos em 2009 por bibliotecários, especialistas em propriedade intelectual, a World Blind Union e representantes de organizações não governamentais. A proposta de tratado regula o uso de obras protegidas por direitos autorais e de todo material protegido por direitos, de acordo com as legislações nacionais e se aplica a materiais em qualquer formato, sejam eles digitais ou não-digitais.


A proposta de tratado cobre os seguintes itens: (a) importação paralela (por exemplo, a compra de livros no exterior); (b) usos transfronteiriços de obras e materiais reproduzidos sob limitações e exceções; (c) empréstimos por bibliotecas; (d) fornecimento de documentos por bibliotecas; (e) preservação de materiais de bibliotecas e arquivos; (f) uso de obras e outros materiais protegidos por direitos para o benefício de pessoas com deficiência; (g) uso de obras para a educação, pesquisa e estudos pessoais; (h) uso de obras para propósitos pessoais e privados; (i) acesso a obras recolhidas e retiradas; e (j) obras órfãs.


Também são propostos os seguintes itens: (a) obrigação de respeitar as exceções aos direitos autorais e direitos a ele relativos; (b) obrigações no que diz respeito a medidas de proteção tecnológica; e (c) limitação de responsabilidade para bibliotecas e arquivos.


A proposta de tratado foi elaborada de forma a acomodar tanto necessidades comuns quanto necessidades diferentes, de acordo com os níveis de desenvolvimento e particularidades dos membros da OMPI. Apesar de a proposta tornar obrigatórias certas questões-chave, na maior parte dos casos, há flexibilidade na implementação, com base no padrão internacional de “prática justa” (fair practice), previsto na Convenção de Berna. 


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16 Na versão em inglês: Technological innovation, science and creative activity in general are rightly recognized as important sources of material progress and welfare. However, despite the important scientific and technological advances and promises of the 20th and early 21st centuries in many areas, a significant “knowledge gap”, as well as a “digital divide”, continue to separate the wealthy nations from the poor.


17 Na versão em inglês: In this context, the impact of intellectual property has been widely debated in past years. Intellectual property protection is intended as an instrument to promote technological innovation, as well as the transfer and dissemination of technology. Intellectual property protection cannot be seen as an end in itself, nor can the harmonization of intellectual property laws leading to higher protection standards in all countries, irrespective of their levels of development. 

The role of intellectual property and its impact on development must be carefully assessed on a case-by-case basis. IP protection is a policy instrument the operation of which may, in actual practice, produce benefits as well as costs, which may vary in accordance with a country’s level of development. Action is therefore needed to ensure, in all countries, that the costs do not outweigh the benefits of IP protection. 


18 O website do projeto creative commons é o <www.creativecommons.org>. 


19 Na versão em inglês: While access to information and knowledge sharing are regarded as essential elements in fostering innovation and creativity in the information economy, adding new layers of intellectual property protection to the digital environment would obstruct the free flow of information and scuttle efforts to set up new arrangements for promoting innovation and creativity, through initiatives such as the ‘Creative Commons’. The ongoing controversy surrounding the use of technological protection measures in the digital environment is also of great concern.


20 Na versão em inglês: In this regard, WIPO should consider undertaking activities with a view to exploring the promise held by open collaborative projects to develop public goods, as exemplified by the Human Genome Project and Open Source Software.


21 Para uma lista de bibliotecas digitais, ver: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_digital_library_projects


22 Ver: http://www.wdl.org/pt. Acesso em: 18 ago. 2021. 


23 Ver: http://www.loc.gov/wdl/. Acesso em: 18 ago. 2021. 


24 Ver: http://europeana.eu/portal/. Acesso em: 18 ago. 2021. 


25 Ver: http://gallica.bnf.fr/. Acesso em: 18 ago. 2021. 


26 Ver: http://www.brasiliana.usp.br/. Acesso em: 18 ago. 2021. 


27 Ver: http://purl.pt/index/geral/PT/index.html. Acesso em: 18 ago. 2021. 



29 Ver: http://www.gutenberg.org. Acesso em: 18 ago. 2021. 


30 Ver: https://www.bibalex.org/en/default. Acesso em: 18 ago. 2021. 


31 Ver: http://books.google.com/. Acesso em: 18 ago. 2021.



4 ACESSO AO CONHECIMENTO E À INFORMAÇÃO POR MEIO DE BIBLIOTECAS E ARQUIVOS PÚBLICOS E OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)


No congresso mundial da IFLA, realizado em Lyon, em maio de 2014, foi elaborada a Declaração de Lyon, de forma a influenciar positivamente a agenda de desenvolvimento das Nações Unidas no estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que visam orientar os países sobre as abordagens para melhorar a vida das pessoas e apresenta um conjunto de metas a serem alcançadas durante o período de 2016-2030.


Segundo a Declaração de Lyon, “o aumento do acesso à informação e ao conhecimento em toda a sociedade, amparada pela disponibilidade de tecnologias de informação e comunicação (TICs), apoia o desenvolvimento sustentável e melhora a qualidade de vida das pessoas”.


Ainda segundo a Declaração de Lyon (em sua versão em português), 

O desenvolvimento sustentável visa garantir a longo prazo a prosperidade socioeconômica e o bem estar das pessoas em todos os lugares. A capacidade dos governos, parlamentares, autoridades locais, comunidades locais, sociedade civil, setor privado e os indivíduos a tomar decisões com base em informações essenciais para alcançar essa meta.


Neste contexto, o direito à informação seria transformacional. O acesso à informação apoia o desenvolvimento, capacitação das pessoas, especialmente dos marginalizados e os que vivem em situação de pobreza, para:


• Exercer os seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.


• Ser economicamente ativos, produtivos e inovadores.


• Aprender e aplicar novas habilidades.


• Enriquecer sua identidade e expressões culturais.


• Tomar parte na tomada de decisões e participar de uma sociedade civil ativa e engajada.


• Criar soluções baseadas na comunidade para os desafios de desenvolvimento.


• Assegurar a prestação de contas, transparência, boa governança, participação e empoderamento.


• Medir o progresso dos compromissos públicos e privados de desenvolvimento sustentável. Declaração De acordo com os resultados do Painel de Alto Nível sobre a Agenda de Desenvolvimento Pós-20.


Em dezembro de 2014, os princípios abaixo foram endossados pelas seguintes associações de bibliotecas: American Association of Law Libraries, American Library Association, Association of Research Libraries, International Federation of Library Associations and Institutions, Medical Library Association, and the Special Libraries Association. Esses princípios foram elaborados para discussão no âmbito da agenda sobre desenvolvimento da OMPI e dizem respeito ao impacto da proteção da propriedade intelectual para o desenvolvimento econômico e à importância das limitações de direitos autorais para bibliotecas, instituições de ensino e pessoas com deficiência. São eles: 


Meta 1: Um robusto e crescente domínio público para proporcionar novas oportunidades para a criatividade, pesquisa e conhecimento.

1.1. Todas as obras criadas por autoridades governamentais devem ser de domínio público.


1.2. Trabalhos publicados que sejam resultado de financiamento do governo devem ser disponibilizados ao público, sem custo, dentro de um prazo razoável.


1.3. Fatos e outros materiais de domínio público, bem como trabalhos sem criatividade, não deveriam estar sujeitos a direitos de autor ou à proteção por direitos autorais.


1.4. Em consonância com a Convenção de Berna, o prazo do direito autoral deveria ser a vida do autor mais 50 anos. O prazo do direito autoral não deveria ser estendido de forma retroativa.


Meta 2: Programas e serviços eficazes de biblioteca como um meio de fazer avançar o conhecimento 

2.1. A biblioteca pode fazer cópias de trabalhos publicados e não publicados em seu acervo para fins de preservação ou migração do conteúdo para um novo formato.


2.2. Uma obra legalmente adquirida por uma biblioteca pode ser emprestada a terceiros, sem taxas adicionais de transação a serem pagas pela biblioteca.


2.3. Uma obra legalmente adquirida por uma biblioteca ou outra instituição de ensino pode ser disponibilizada por meio de uma rede de apoio de ensino em sala de aula ou de ensino à distância, de uma maneira que não prejudique, de forma injustificada, o titular de direitos.


2.4. Desde que sujeita a limitações adequadas, uma biblioteca ou instituição de ensino pode fazer cópias de uma obra como suporte ao ensino em sala de aula.


2.5. A biblioteca pode converter material de um formato para outro para torná-lo acessível a pessoas com deficiência.


2.6. Como suporte à preservação, educação ou pesquisa, bibliotecas e instituições educacionais podem fazer cópias de obras ainda protegidas por direitos autorais, mas que não sejam mais objeto de exploração comercial.


Meta 3: Altos níveis de criatividade e progresso tecnológico resultam de pesquisas e estudos individuais 

3.1. As leis de direitos autorais não deveriam inibir o desenvolvimento da tecnologia, nas situações em que a tecnologia em questão possui substanciais usos não-infratores.


3.2. A cópia de itens individuais para ou por usuários individuais deveria ser permitida para pesquisas e estudos individuais.


3.3. Deveria ser permitido retirar medidas de proteção tecnológica com o propósito de fazer um uso não-infrator de uma obra.


Meta 4: Harmonização dos direitos de autor 

4.1. As metas e políticas estabelecidas neste documento não deveriam ser suplantadas por outros acordos bilaterais ou multilaterais.


4.2. As metas e políticas estabelecidas neste documento são importantes declarações de princípios nacionais e internacionais e não deveriam ser alteradas por contrato32.


Em 2 de agosto de 2015, após mais de 3 anos de negociações, os estados-membros das Nações Unidas chegaram a um acordo com relação a uma versão final da agenda do desenvolvimento pós-2015, que passou a ser conhecida como Agenda 2030.


A Agenda 2030 possui 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) com um total de 179 alvos que medem o desenvolvimento econômico, ambiental e social e que traçam um plano para todos os países participarem ativamente. Segundo DE SORDI (2015), “graças ao esforço da IFLA e de outras organizações, o acesso à informação, à alfabetização universal, à salvaguarda do patrimônio cultural e natural, bem como o acesso às tecnologias da comunicação foram fortemente representados”. A autora ainda fez a seguinte declaração à época (2015), espera-se que, com a aprovação da Agenda 2030, sejam ampliadas as possibilidades de todos terem acesso à informação. Assim sendo, é desejável que as instituições nacionais que congregam bibliotecários e outros profissionais da informação também incluam a questão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em sua pauta de atuação.


A partir dessa perspectiva, torna-se premente estabelecer um diálogo em torno de 3 questões fundamentais: (1) como o acesso à informação pode contribuir para o desenvolvimento sustentável?; (2) como as bibliotecas e centros de informação podem promover a adoção do acesso à informação como parte da agenda pós-2015, em especial os ODS?; e (3) o que poderia ser feito visando à sensibilização para o acesso à informação no âmbito da discussão sobre os ODS?


No Brasil, vale lembrar que o Decreto nº 7.559/2011 – denominado Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) – propõe, em seu artigo 1º, uma “estratégia permanente de planejamento, apoio, articulação e referência para a execução de ações voltadas para o fomento da leitura no País”. De acordo com o Caderno do PNLL, é fundamental que, no contexto da sociedade da informação, a leitura “seja tratada no diálogo com as diversas tecnologias de gravação, entre as quais o livro se encontra” (GOVERNO FEDERAL, 2014, p. 17). O PNLL propõe um diálogo fecundo com novas formas de licenciamento que, ao mesmo tempo, garantam os direitos autorais e os direitos de acesso (GOVERNO FEDERAL, 2014).


Essas questões inevitavelmente permitem uma reflexão crítica a respeito da função social do sistema de direitos autorais e de seus mecanismos de proteção com relação ao papel das bibliotecas e arquivos. Na linha das regras internacionais que surgiram a partir de meados dos anos 2000, os direitos de propriedade intelectual – aqui incluídos os direitos autorais – não podem mais ser entendidos como um fim em si mesmos, mas sim como instrumentos que permitam o desenvolvimento sustentável, garantindo, ao mesmo tempo, proteção e acesso.


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32 Tradução livre. A versão completa em inglês é a seguinte: 


Library-Related Principles for the International Development Agenda of the World Intellectual Property Organization 

Goal 1: A robust and growing public domain to provide new opportunities for creativity, research, and scholarship.

1.1. All works created by governmental authorities should be in the public domain. 1.2. Published works resulting from government-funded research should be publicly available at no charge with creativity, should not be subject to copyright or copyright-like protections. 1.4. Consistent with the Berne Convention, the term of copyright should be the life of the author plus 50 years. The term of copyright should not be extended retroactively. in a reasonable time frame. 1.3. Facts and other public domain materials, and works lacking in


Goal 2: Effective library programs and services as a means of advancing knowledge. 

2.1. A library may make copies of published and unpublished works in its collection for purposes of preservation or to migrate content to a new format. 2.2. A work that has been lawfully acquired by a library may be lent to others without further transaction fees to be paid by the library. 2.3. A work that has been lawfully acquired by a library or other educational institution may be made available over a network in support of classroom teaching or distance education in a manner that does not unreasonably prejudice the rights holder. 2.4. Subject to appropriate limitations, a library or educational institution may make copies of a work in support of classroom teaching. 2.5. A library may convert material from one format to another to make it accessible to persons with disabilities. 2.6. In support of preservation, education or research, libraries and educational institutions may make copies of works still in copyright but not currently the subject of commercial exploitation.


Goal 3: High levels of creativity and technological progress resulting from individual research and study. 

3.1. Copyright laws should not inhibit the development of technology where the technology in question has substantial non-infringing uses. 3.2. Copying of individual items for or by individual users should be permitted for personal research and study. 3.3. It should be permissible to circumvent a technological protection measure for the purpose of making a non-infringing use of a work.


Goal 4: Harmonization of copyright. 

4.1 The goals and policies set out in this document should not be over-ridden by other bi-lateral or multi-lateral agreements. 4.2 The goals and policies set out in this document are important statements of national and international principle and should not be varied by contract.



CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Enquanto as operações de bibliotecas e arquivos digitais se tornam cada vez mais globais, há uma série de obstáculos impostos pelo sistema internacional de direitos autorais à sua operação. A preservação do patrimônio cultural e científico, o acesso a recursos de apoio à educação e à pesquisa, empréstimo de livros, mineração de dados e outros aspectos – que não foram objeto de investigação deste artigo –, são alguns exemplos.


Segundo o Study on Copyright Limitations and Exceptions for Libraries and Archives, de junho de 2015, preparado por Kenneth D. Crews para a OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual e que reúne resultados atualizados e examina a natureza e a diversidade das disposições constantes das leis de direitos autorais dos 188 países membros da OMPI, 156 desses países têm, pelo menos, uma exceção legal para bibliotecas, enquanto 32 países não possuem qualquer exceção a respeito em suas legislações nacionais de direitos autorais. Infelizmente, o Brasil encontra-se entre esses 32 países (CREWS, 2015).


O referido estudo também apontou que quase metade dos países membros da OMPI – 90 deles (48%) – não permite, explicitamente, que as bibliotecas façam cópias para fins de pesquisa ou estudo. A situação é ainda pior para os arquivos, pois dois terços dos países – 126 deles ou 67% – não permitem cópias para fins de pesquisa ou estudo. Além disso, 89 países (47% do total pesquisado) não permitem explicitamente que as bibliotecas façam cópias para fins de preservação. E 85 deles (45%) não permitem que os arquivos façam tais cópias (HACKET, 2016).


Apesar de esse quadro poder ser revertido à medida que as legislações de direitos autorais nacionais sejam atualizadas, HACKET (2016) comenta que a tendência de regulamentação com relação aos serviços digitais aponta para o sentido contrário, uma vez que mais de um terço dos países que alteraram as suas leis de direitos autorais nos últimos 5 anos, proibiram a cópia digital, até mesmo, em alguns casos, para atividades de preservação. Trata-se, portanto, a nosso ver, de um imenso retrocesso.


O estudo citado também revela que as diversas legislações nacionais variam significativamente com relação a quem poderá copiar, o que pode ser copiado, a finalidade e o formato das cópias (HACKET, 2016).


No caso das obras digitais, o acesso à informação tende a se agravar com a utilização de medidas tecnológicas de restrição de cópias e com os termos dos contratos de licenciamento firmados por titulares de direitos autorais com bibliotecas e arquivos. Isso porque as medidas tecnológicas de restrição de cópias e os termos dos contratos de licenciamento podem se sobrepor às exceções e limitações de direitos autorais presentes nas legislações dos diversos países, impedindo, assim, o acesso à informação por parte de pesquisadores e do público em geral (HACKET, 2016).


Tal fato reforça a necessidade da presença de padrões globais em matéria de limitações de direitos autorais para bibliotecas e arquivos em tratados internacionais e que sejam internalizados nas legislações nacionais dos diversos países, com expressa menção de que tais limitações não poderiam ser substituídas por medidas tecnológicas de restrição de cópias ou por termos de contratos de licenciamento de obras digitais.


Nosso entendimento é de que uma proposta de tratado internacional com essa finalidade viria reforçar o acesso à informação enquanto direito humano, além de auxiliar políticas públicas em matéria de educação, inovação e desenvolvimento sustentável, na linha dos ODS.


A partir dessa perspectiva, posicionamo-nos no sentido de que alterações legais no sistema de direitos autorais são fundamentais para que bibliotecas e arquivos públicos possam promover a adoção do acesso à informação como parte da agenda dos ODS, que devem servir de norte na determinação da função das bibliotecas para o século XXI.


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